terça-feira, 2 de junho de 2009

DK2 e seus leitores velhinhos

Eu era sentimental, quando era velho...”


A frase-título deste post, não por acaso a derradeira fala da HQ que é assunto do mesmo, é a melhor representação de todo o sentimento que envolve The Dark Knight Strikes Again – ou DK2, como ficou mais conhecida no mundo a seqüência do clássico The Dark Knight Returns (“O Cavaleiro das Trevas” aqui no Brasil). E, por que não, também em relação a todas as continuações para trabalhos tidos como “clássicos”.

Mas primeiro, um pouco de história: Em 1986 – sempre ele – a DC Comics deixou um de seus principais personagens nas mãos do astro Frank Miller, que vinha de uma histórica e premiadíssima passagem pelo Demolidor, da Marvel Comics. A idéia era dar uma revitalizada no morcegão, maltratado nos anos 50 e 60 com versões equivocadas tanto nos quadrinhos como na TV. Nos quadrinhos, o tom já tinha mudado bastante nos anos 70 mesmo, graças aos esforços de gente como Denny O´Neil, Neal Adams, Jim Aparo, Steve Englehart e Marshall Rogers, mas, como todo mundo sabe, para construir uma reputação leva-se anos, e para destruí-la, segundos. A imagem estava bem arranhada para o grande público. Mas “Cavaleiro” saiu, arrebatou público e critica, ditou os rumos não só do Batman e dos demais personagens da história, mas também da indústria por, no mínimo, uma década. Ditou tanto que levaram tão a sério e tudo ficou dark demais (mas isso é assunto para outro post).


No início dos anos 2000, foi anunciado que Miller foi contratado para dar seqüência àquela história que marcou época. E todos se perguntavam se iria valer a pena, se ia atender as expectativas. Sabe quando uma seqüência vai atender todas as expectativas? NUNCA. E a culpa nem sempre é do autor.
Um cara que talvez vocês conheçam, chamado George Lucas, disse enquanto produzia o mais recente filme da série Indiana Jones que “já odiavam o filme”, antes mesmo de ser lançado. Experiência de quem apanhou ao OUSAR mexer na “intocável” trilogia clássica de Star Wars (não por acaso, de criação dele mesmo). Fãs rendem popularidade, dinheiro e um lugar na história, mas em troca se apoderam daquilo que idolatram. E não aceitam qualquer coisa que ELES não tenham pensado ANTES. Afinal, todo fã de Star Wars já tinha seu próprio Episódio I. Todo fã de Indiana Jones sabia que o artefato da vez era a Arca de Noé. E todo o leitor de HQs fez o seu DK2.
Mas Miller não concordou. E resolveu contar a sua própria versão da história. E não o Miller de 1986, mas o Miller de 2001. O Miller que depois de mostrar o futuro do Batman em Dark Knight, mostrou também sua origem em Ano Um. E que voltou à Marvel para ressuscitar Elektra e recontar os primórdios do Demolidor. Que flertou com sátira política em Give me Liberty e que experimentou o sucesso independente em Sin City. Quinze anos mais velho, mais experiente, mais genial, pois.



Em grossas linhas, a história é a seguinte: Três anos depois dos eventos da série original, a situação vai de mal a pior. O mundo é uma mentira, nossos governantes são imagens criadas por computador, o jornalismo é (literalmente) pornográfico e as poucas vozes contrárias são rapidamente caladas. De um lado está Superman, jogando com as cartas que recebe e salvando vidas. De outro, estão Batman, Robin (agora Catgirl) e seu exército de Batboys, em busca de seus velhos companheiros de Liga da Justiça para derrubar o sistema.




Eu sinceramente achei que DK2 não resistiria a uma releitura. Mas por incrível que pareça a história me pareceu melhor e mais atual HOJE do que em 2001, quando foi publicada, dois meses depois dos atentados de 11/09. Não, DK2 não tem o clima da série original. E destaco isso como um mérito. Ela é adequada a seu tempo, assim como a original foi. Antes vivia-se a ameaça da Guerra Fria, Ronald Reagan, a realidade da sujeira das ruas, os programas de debates na TV, o "ultrapassado" querendo voltar a ser grande. Recomeçar daí seria uma imbecilidade. Hoje vivemos a cultura de massa global, a realidade maquiada, o "zapping", o "antigo" como inspiração (que se evidencia na banda feminina “Superchicks”, perseguidas pela mídia e pelo governo). Não é difícil perceber que todo o visual da história é proposital e inserido nesse contexto, seja a arte de Miller, como o colorido “photoshop” de Lynn Varley. Sem falar em cenas. Sim, porque assim como todo grande filme tem grandes cenas, daquelas que a gente adianta no DVD para chegar logo, todo bom gibi tem as suas. E em DK2 elas sobram. Sejam as seqüências de libertação de Elektron e do Flash (em duas "prisões" geniais), a tentativa frustrada do Superman em dialogar com Batman (“Já terminei de falar, saia da minha caverna), a invasão ao Asilo Arkham e ao escritório de Lex Luthor (“Incutir terror, a melhor parte do trabalho”), a transa cataclísmica do Superman com a Mulher-Maravilha, Lara-El contra Brainiac (“Não nasci no Kansas, sou uma Amazona”), a reaparição pública do Batman no show das Superchicks (“O poder é nosso! O poder SEMPRE foi nosso!”), culminando com a frase inicial do post, cuja circunstância não falarei aqui, pois vai que alguém se aventura a ler pela primeira vez por conta deste post.


Mas ela toca na ferida dos pobres leitores velhinhos sentimentais, tão apegados ao seu passado e seus brinquedinhos de infância, intolerantes com tudo aquilo que surpreenda e afronte seus anos de experiência como leitor. Tão opressores quanto o sistema combatido por seu herói.


Não mudem de estação!

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